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A primeira vez que olhei para ele, tinha 9 anos, pensei: este homem é meu amigo! Ficou o meu amigo especial”. Célia Carvalho tem 36 anos, passavam dois anos da morte de Elvis quando o seu primeiro contacto visual com o artista aconteceu, nesse momento só pensava: “Eu não acredito que ele está morto, porque é que não ouvi falar dele mais cedo?”. Ri-se enquanto conta o episódio da menina que se apercebe desde cedo que nunca irá ter a oportunidade de conhecer um ídolo recém amado. Ao contrário do que seria de esperar, a admiração cresceu com o tempo e com a idade. Elvis não precisa de estar vivo para continuar a ter o efeito magnético que sempre teve sobre as pessoas. Pelo contrário, o seu desaparecimento precoce mais não fez do que reavivar a chama de velhos fãs e criar novas gerações de admiradores. Vejam-se as imagens de Graceland em alturas comemorativas, como a celebração da data de nascimento ou morte do cantor. Acontecimentos que Célia conta na primeira pessoa. Já foi a Memphis, Tennessee, duas vezes, a primeira em 1997, decorria o 20º aniversário da morte de Elvis, a segunda em 2002: “Chovia, pensava que não ia ser a mesma coisa. Antes de lá ir eu pensava, esta gente é maluca”. Célia refere-se aos milhares de pessoas que todos anos vão em romaria a Memphis prestar homenagem ao seu ídolo na noite que acode pelo nome de Vigília das Velas, onde os fãs se juntam acolhidos pelos portões de Graceland, levando cada qual sua vela, para prestar homenagem ao cantor no dia que marca a data o seu desaparecimento.” Não sei o que é que sinto, não consigo explicar, só sei que me fartei de chorar. Eles dizem, ‘Vamos cantar a canção que Elvis cantou para nós a vida inteira, vamos cantá-la para ele, vamos mostrar ao mundo que gostamos dele’.” E todos cantam em uníssono Can’t Help Falling in Love, o tema que durante anos nos seus concertos Elvis dedicou ao seu público. Célia diz que este foi, sem dúvida, um dos acontecimentos mais marcantes da sua vida: “Quando todas aquelas pessoas começaram a cantar Cant’t Help Falling in Love... muitas delas nem sequer inglês sabiam falar, mas sabiam cantar Can’t Help Falling in Love”.

Mas, afinal, o que teve este homem de tão especial para continuar a mover milhões de pessoas pelo mundo fora? É melhor recolocar a questão: O que tem este homem de tão especial? - Quando se fala de um mito que atinge proporções de tal modo grandiosas, é imprescindível usar o presente, independentemente de se estar vivo ou morto. Célia garante-nos que longe de ser o rei que todos o aclamavam – “O próprio Elvis negava essa denominação: Eu não sou o rei, o rei está no céu e dá pelo nome de Jesus Cristo, eu sou só um artista”. Elvis Presley era, antes de tudo, um homem. Por detrás da persona criada pelos meios de comunicação, pelos fãs, em última instância pelo próprio, ainda que de forma quase inconsciente, ou mesmo, inocente. “Ele era um gentleman, era humilde, gostava realmente das pessoas. Quando grupos imensos de fãs histéricos rondavam a sua casa, ao contrário dos outros, Elvis não mandava chamar a polícia, não os expulsava, dizia somente: “’Deixem estar estas pessoas, esta casa não é minha, é deles também, porque se não fossem eles eu nem esta casa tinha para morar’”. Falamos, então, de um homem que por detrás de toda a exuberância, deixava para outros quaisquer maneirismos de estrela. Homem do sul, com fortes crenças religiosas e valores de família bem demarcados. Era respeitador com toda a gente e gostava de ajudar os outros, a maioria das obras de caridade que fez ou com as quais colaborou permanecem no anonimato, pois quando ajudava era pelo prazer de o fazer, não para chamar a atenção dos meios de comunicação. Até porque não precisava deste tipo de demonstração para que tal acontecesse. Para além das qualidades humanas, Célia destaca a versatilidade enquanto artista: “Ele era o rei do rock, mas não cantava só rock, ele cantava blues, ele cantava gospel. Podia cantar o que quisesse, fazia-o sempre muito bem”. Ao mesmo tempo que nos diz que as suas preferências musicais vão muito para além de Elvis Presley, Célia garante que muitas das descobertas que fez a nível musical foram também por influência de Elvis.

Estamos na casa de Célia Carvalho e José João Simões, dois dos sócios fundadores do Clube Elvis 100%. Desenganem-se aqueles que neste momento pensam que estou em frente de duas tipificações demarcadas fisicamente pelos seus gostos. Não. A Célia não usa saia rodada, assim como Zé João não tem uma poupa de dois metros a cobrir-lhe a testa. Por muito vaga que esta descrição possa parecer, são no fundo duas pessoas normais: “As pessoas estão à espera que nós sejamos uma cambada de maluquinhos e que só pensamos em Elvis, esperam sempre que tenhamos algo físico que se assemelhe a Elvis, esperam grandes poupas e coisas do género e depois olham para nós e ficam desiludidas, porque somos duas pessoas normais”. Quem o diz é Célia. Uma comunicadora incansável. Disponibilizou-se desde logo a receber-me na sua casa e, mal entrei, começou a fazer-me perguntas: “Sempre gostei muito de jornalismo, não me importava nada de ser jornalista”. Célia trabalha como secretária e é tradutora. É a Relações Públicas do Clube: estabelece contactos, organiza os eventos.

Na mesma sala, sentado no sofá, um pouco mais afastado, encontra-se o Zé João. Mais reservado do que Célia, deixa-a tomar conta das conversações. De vez em quando faz um reparo ou outro. Quando o assunto o entusiasma mais um pouco, atreve-se a falar: “Se isto fosse para a televisão ele nem estava aqui, morre de vergonha”. Ele ri-se timidamente. Juntos fazem um equilíbrio perfeito. Só lá mais para o meio da conversa é que começa a intervir, mais com gestos do que com palavras. É com um prazer quase infantil que nos vai mostrando a sua colecção de DVDs, de vinis. É um colecionador exímio. Algumas das peças que tem encontram-se tal como estavam quando adquiridas para não perderem o seu valor de coleção. A Célia não percebe qual é o objetivo de “ter isto tudo se não se ouve”, o Zé responde: “Todas as coisas que se encontram ainda fechadas tenho-as noutros formatos, posso ouvi-las quando quiser dessa forma, agora estas tenho-as pelo simples prazer da aquisição, pelo valor de coleção”. Têm à volta de 150 livros só sobre Elvis, a discografia é igualmente arrebatadora, à parte dos DVDs e outros objetos que fazem referência ao cantor.

A ideia do Clube nasceu na sala onde nos encontramos. Estava-se em janeiro de 2001. A Célia conta: “Estávamos aqui os quatro: eu, o Zé João e outro casal nosso amigo que também é fã de Elvis e tivemos os quatro a ideia de formar um Clube de fãs de Elvis. Fizemos o sorteio e a mim calhou-me o nº 1! Depois juntámos a mãe da nossa amiga que cá estava e as meninas e já éramos sete!” As meninas são as duas filhas do Zé João. A mais velha é mesmo fã de Elvis, gostou desde logo, ouve a música e sabe as letras. A mais nova apesar de gostar, não é tão entusiasta como a irmã. Ambas são livres de deixar de gostar quando entenderem.

O Clube ganhou maior notoriedade após um artigo saído no Correio da Manhã em 2001, logo depois da sua formação. Depois desse artigo as pessoas começaram a ligar. “O nosso objetivo era chegar aos 100 membros, o que para nós já era muito para um Clube de Fãs de Elvis em Portugal. Houve uma altura em que chegámos a ser 115!” Atualmente são 58. Algumas pessoas deixam de pagar as quotas e a partir desse momento estão de fora. O Clube sobrevive da quotização dos sócios que ronda o valor de € 14, tem uma revista bimestral, também ela a cargo da Célia, que é base de tudo: muitos dos sócios só o são por causa da revista. O Clube não tem sede fixa e os membros encontram-se normalmente em datas comemorativas, tais como no aniversário do nascimento de Elvis. Também se encontram pela data da morte do cantor, mas não com o intuito de comemorar, mas sim de o celebrar a ele. Nestas ocasiões fazem almoços comemorativos onde reúnem o máximo número de membros possível, sendo que é impossível reunir todos. O Clube tem membros não só em Portugal mas também em países tão díspares como Brasil, Roménia, Noruega, França e Inglaterra. “Muitas destas pessoas chegaram até nós através da publicação de um artigo de duas páginas na revista do maior Clube de Fãs de Elvis Presley do mundo, com sede em Inglaterra”, conta Célia.

O Clube já organizou eventos de grande destaque, tais como um ciclo de cinema dedicado a Elvis, elaborado em conjunto com a Cinemateca Portuguesa, uma projeção de um concerto no auditório do Padrão dos Descobrimentos, um fim de semana dedicado ao artista por ocasião do aniversário do seu nascimento há volta de dois anos na FNAC de Almada e uma exposição de arte, uma bienal de artes plásticas em Lisboa. Também já foram contactados por escolas, assim como um grupo de teatro que lhes pediu ajuda para darem sugestões e promoverem uma peça tendo como base a vida de Elvis.

Um dos grandes objetivos do Clube é o de ajudar através das receitas obtidas, diversas causas. À imagem do que Elvis fez quando vivo, os membros do Clube pretendem fazer reverter as suas receitas em prol dos que mais precisam. Curiosamente foi através de uma destas demonstrações que receberam maior publicidade. Em 2002, ajudaram a Casa Betânia, uma casa de acolhimento para jovens e adultos deficientes em Queijas. A notícia saiu no Jornal da Região e pouco depois foram contactados pela SIC que queria fazer uma reportagem sobre a instituição. “O interesse da imprensa ajuda sempre, chama a atenção de admiradores que não sabem da nossa existência”. Atualmente o maior ponto de divulgação do Clube é o site na Internet, criado pela Célia. Lá têm toda a informação sobre o Clube, assim como dados biográficos do cantor.

Célia lamenta a falta de disponibilidade que vem com o tempo e à medida que a vida ganha outros contornos: “Gostava de ter mais tempo livre para me dedicar às atividades do Clube, para sermos mais ativos, mas é impossível, principalmente quando tenho de fazer quase tudo”. Os outros fundadores também têm andado mais afastados, por motivos de ordem pessoal. “Fazemos o que podemos, tendo em conta a disponibilidade e as restrições económicas.”

Apesar de todas as dificuldades, o prazer que a Célia e o Zé João demonstram ao falar de Elvis e do próprio Clube não se disfarça. Reflete-se não só no discurso de Célia, mas na maneira como ambos olham para as imagens de um dos últimos concertos que o cantor deu em vida, projetadas na televisão. A sua figura é aquela que a ele se associa nos seus derradeiros anos: fato branco, gordo, mais do que isso, inchado pelos medicamentos, cara transpirada. A voz, essa, mantém-se inabalável e canta com um vigor que não tinha aos 20 anos, uma versão do tema de Sinatra, My Way. Ambos se calam e seguem atentamente os movimentos que se desenrolam à nossa vista.

Célia comenta: “Já não tenho pena dele ao vê-lo desta maneira. Só me apetece apertar-lhe aquelas bochechas!”

Texto: Maria Teresa Sequeira
Fotografia: Vera Moutinho

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