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NÃO ME LEMBRO DE ONDE OU QUANDO ME ACONTECESTE - Parte 3

               Depois dos concertos daquela noite, lá fui hesitantemente para o andar de cima, como tinha prometido a Elvis que faria. Tinha-me completamente esquecido daquilo que tinha acontecido no início da noite, lá em cima, na penthouse. Só me lembrava que Elvis me tinha envolvido com um braço e me tinha voltado a orientar para os seus aposentos privados, para me sentar, ao seu lado, na berma da sua cama. Por algum motivo muito estranho, não sei porque não me sentia nada preocupada nesse ponto… ou, pelo menos, não ainda. Ficámos ali os dois sentados, emudecidos, durante algum tempo. Estranho, agora que penso nisso… nenhum de nós teve nada para dizer durante um tempo. Talvez fosse devido a tantas coisas diferentes e esmagadoras que tinham ocorrido no início desse dia até então??... Não sei.

               Elvis acabou por quebrar o gelo, ao virar o meu rosto para enfrentar o seu, só a olhar. Afastou-me o cabelo dos olhos, acariciou-me o rosto com as suas mãos, depois disse muito suavemente, “Da primeira vez que te vi,… que te conheci,… fiquei sem conseguir mexer-me. Fiquei para ali parado, como um idiota e mal pude falar. Eu… eu… apenas soube que te ‘conhecia’ e continuo a saber que tenho estado à tua espera toda a minha a vida! Quando entrei no meu camarim, pensei, ‘Oh, caramba! Estou metido num Sarilho! Estou metido em Grandes Sarilhos! Oh, Deus! Porque não me mandaram uma soprano gorda e feia?’” Enquanto ele disse isto, deu uma chapada na sua testa com tanta força que chegou a cair para trás! Começámos os dois a rir às gargalhadas no pior momento possível!

                “És tão romântico!” Mal consegui dizer, enquanto o riso interrompia todas as palavras. Gostava de vos poder pintar aquela imagem. Foi hilariante. E essa palavra… “hilariante”… não chega a captá-lo na sua tentativa de me dizer o que ele achava que era a expressão mais importante da forma como se sentia naquele momento… uma que talvez ele tinha planeado partilhar comigo de uma forma mais séria. Enquanto eu me ria incontrolavelmente, ele continuou. “E foi exatamente o que fiz a mim mesmo naquela noite! Dei uma chapada a mim próprio e caí sobre a cama do meu camarim!”

Mais uma vez me apaixonei pela forma como ele era capaz de rir de si mesmo.

                  “És tão querido… tão engraçado! Adoro o facto de te rires de ti próprio!” Mal consegui articular.

                  Depois ele disse algo que ainda não consigo entender completamente. “Tu assustas-me, Kathy. Tenho medo de ti. E, acredita-me, isto é… Bem… não tenho medo de…”

                  “O quê!??? Eu… não entendo.”

                  “Eu também não…. ainda não,” respondeu ele, timidamente.

 

 

                  Não me lembro mais nada, exceto dos seus olhos. Daqueles olhos azuis maravilhosos, a olhar para os meus, até eu quase sentir que não havia separação entre nós os dois. Não me lembro que roupa tinha ele vestida naquela noite… Só me lembro daqueles olhos, pelo que me pareceu ser um longo período de tempo. Depois ele ergueu as mãos, e puxou as minhas para cima, e fizemos o que agora parece ser a coisa mais pateta. Limitámo-nos a dar as mãos, a poucos centímetros de distância um do outro, enquanto olhávamos um para o outro, sentindo-nos à distância.

                  “Nunca me senti tão ‘Consciente’ de alguém antes, Kathy. Não sei o que ‘somos’, o que significa, mas sei que te amo, e sei que me entendes. E sei que te entendo a ti!” Depois ele murmurou, como se temesse a minha reação, baixando a cabeça enquanto desviava ligeiramente o olhar, “Quero que fiques comigo esta noite.” Isso quebrou o feitiço sob o qual eu estava e ele apercebeu-se, por isso, disse rapidamente, “Prometo, prometo, prometo… que nada… nada… vai acontecer até te sentires pronta. Nunca, nunca faria nada que te causasse… sei que isto tem o seu tempo. Sei que ainda não me conheces suficientemente bem para confiares totalmente em mim… mas, por favor, podes dar-te essa oportunidade de confiar em mim?”

              Soube naquele momento que tinha de enfrentar os meus medos desta situação, enfrentá-los e atravessá-los com a coragem que não tinha a certeza de ter naquele momento, como havia feito na vida muitas vezes quando sentia medo.

“Quero confiar em ti. De certa forma, também te amo, mas de uma forma que ainda não compreendo totalmente. Não sei o que chamar a este tipo de amor. Não consigo encontrar um nome para ele.” Revelei uma parte de mim mesma que ainda não permitira vir à superfície. Continuei por extravasar pensamentos e perceções sobre os quais ainda nem sequer pensara de uma forma consciente.

              “E até eu saber… saber mesmo… nem sequer posso começar por te deixar ou por me deixar a mim, já agora, esperar por algo mais do que apenas uma amizade. Tens de saber que ainda nem sequer sou capaz de imaginar um relacionamento sério, embora esteja há ‘muito fora do prazo’ e tenha a esperança de o vir a ter um dia. Agora nem sequer sou capaz de fazer um relacionamento funcionar. Nunca sei quando me vão chamar para os estúdios no dia a dia, ou onde ou quando vou estar em casa… Não tenho sido capaz de planear um único dia! Nem um! Se eu não for para onde algum dos meus contratantes me mandar por dependerem de mim, haverá outra pessoa pronta a chegar-se à frente para ir em meu lugar. Isso é uma sentença de morte para qualquer relacionamento… e… trabalhei toda a minha vida para chegar onde estou hoje, e estou mesmo pronta para descobrir até onde a minha Voz me pode levar agora. Agora ela é que é a minha dona,” ri-me. “Agora estou a segui-la. Quero ser clara sobre aquilo para o que estou pronta e quero que saibas que não sei quando estarei pronta para um relacionamento sério… sabe-se lá por quanto tempo.”

                  Dei um suspiro de alívio depois de explicar qual era a minha posição na vida.

                  E então Elvis abriu-se mais:

                 “Lembra-te que te disse: És tal e qual eu! Também és como eu dessa forma! Caramba, é difícil de encontrar alguém que sequer comece por entender isto. Neste momento, em cada uma das nossas vidas, as nossas carreiras vêm primeiro! Os artistas têm aquele tempo e… depois, pode desaparecer tudo num segundo. Se ‘tudo’ desaparecesse para mim hoje, sentir-me-ia feliz por trabalhar à porta de um palco… só… para poder… estar perto dele.”

                  Ele disse isto deliberadamente, enquanto olhava para o vazio e a ser sincero em cada palavra. Sentia-me da mesma maneira e nunca tinha encontrado alguém que pudesse mesmo compreender esta posição em mim. Que homem iria querer um relacionamento durante muito tempo com uma mulher que nunca sabia onde iria estar ou quando iria estar em casa? Uns poucos podiam achar que seriam capazes de lidar com isso, mas depressa se aperceberiam que não.

                    Foi  nesse momento que outro medo se instalou. “Sei que não me devia preocupar, mas… realmente preocupo-me com o que as pessoas pensam ou vão pensar, e nunca seria capaz de lhes dizer que tipo de relacionamento é este. Nem eu mesma sei ainda! Não quero que ninguém… NINGUÉM… saiba! Isso parece-me impossível! Todos vão descobrir… e vão pensar que é o tipo de relacionamento que eles conhecem. Entendes?”

                   “Praticamente ninguém precisa de saber neste momento,” disse ele. “Caramba, isso também tem muita importância para mim! Este preciso tema já me destruiu muitos relacionamentos. Raramente passa muito tempo até ‘ela’ ir a público de uma ou outra forma e… bem… isso magoa-me.”

 

 

                     “Eu sou uma pessoa muito recatada. Não consigo mudar isso. Mesmo que não fosses casado e não andasses a sair com ninguém, eu… eu não ia querer que ninguém… ninguém soubesse.” Tive de enfatizar isto porque me conhecia muito bem e continuava a ser suficientemente antiquada… para sequer ser capaz de contar a alguns amigos como me tinha sentido em relação a alguns homens pelos quais me apaixonara no passado.

              “Calculo que tenha sido criada num ambiente Puritano, e se bem que queira ser mais aberta… estou aqui presa neste ‘período de transição’… acho que é uma coisa de gerações, e não tenho bem a certeza a que geração quero mesmo pertencer, porque pertenço a ambas e cresci em ambas.”

              “Era isso que eu queria dizer quando te contei que também não sou o homem que pensas que sou, Kathy! É suposto eu ser o quê?... Selvagem e louco? Passei por um período na minha vida e… sim, quero ser livre… mas o que quer que seja que as pessoas pensam que eu deveria ser… eu não sou.” Foi naquele momento que me apercebi… e, sim, me choquei… que estava a conversar com o mesmo homem… simplesmente a pessoa mais importante na nossa história cultural… o homem que tinha dado ao mundo esta nova música que abalaria o nosso planeta e a cultura de toda a gente que pertencia a este globo no espaço… e me apercebia de uma nova consciencialização. Conversava com o homem que tinha dado ao mundo algo chamado “Rock’n’Roll”. A música que não só havia revolucionado o som e a música, mas que nos tinha mudado do ponto de vista social… tinha-nos libertado a todos dos preconceitos raciais e mais, pois quando ele disponibilizara esta nova forma de música, esta nova vibração, era a vibração musical necessária para nos erguer da escuridão, e a vibração que se refletia no espírito dos seres humanos, incluindo o desejo de liberdade sexual. Ninguém… e quero mesmo dizer… ninguém… que Não viveu durante este período… na altura em que Elvis se fez ouvir na rádio pela primeira vez… poderia alguma vez começar por compreender o que aconteceu a este planeta. Nem poderiam imaginar o quão rápido isto aconteceu. Poderia compará-lo, calculo, talvez àquilo que os meus avós tinham testemunhado; eles passaram do tempo dos Cavalos e das Charretes para os automóveis, dos comboios para os aviões, da rádio para a televisão. Esse tipo de comparação é o mais próximo que consigo de fazer, mas continua a não ser tão poderosa como o choque que foi aquela música. Conheço miúdos hoje que ainda não conseguem imaginar a vida sem um telemóvel, sem computadores ou jogos de vídeo. Eu experienciei essas mudanças. Na altura em que estava a ter esta conversa com Elvis… ainda nem sequer existia algo chamado VHS! Ainda não haviam fitas de vídeo. O Beta estava mesmo a chegar e, por volta de 1977, as fitas de 8 faixas só estavam disponíveis para alguns de nós. Os filmes da Kodak de 8 milímetros existiam para fazer filmes caseiros.

                     Mas vamos voltar a Elvis e eu; Ambos fomos apanhados no meio desta transição. Ambos havíamos sido criados em lares Puritanos, em que toda a gente estava bem vestida antes de sair dos seus quartos ou, pelo menos, na privacidade do seu lar, todos estariam com pijamas ou roupões vestidos. Até mesmo isso só era aceitável por breves momentos e apenas nas nossas casas. Tínhamos sido criados assim.

                     “Achas que podes ficar?” perguntou ele. “Tenho todos os meus livros prontos, para podermos ler, se quiseres.”

                    “E como vai isto funcionar… quer dizer… dormir?” perguntei. “Devemos chamar as senhoras da limpeza para pôr aqui uma corda da roupa e um lençol pendurado entre nós os dois?” brinquei eu. E sim, voltámos a rir neste momento. “Mais vinte almofadas para pôr nesta cama enorme?” acrescentei eu, entre recuperações de fôlego.

                     “E não tenho aqui nada comigo… para dormir… ou para vestir amanhã!... ah… esta tarde, quero eu dizer.”   

(Continua)                                                                                             
                                                                                                                                                                                                                    

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